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O que é privilégio branco?

Aviso de conteúdo: Exemplos de discriminação, covid-19. Várias das fontes também mencionam escravidão, violência policial e outros tipos de abuso/violência racista.

Assim como o que é raça, este é um conceito fundamental pra entender quando se fala sobre racismo.

Privilégio, em contextos de justiça social, se refere a não fazer parte de um grupo marginalizado/minorizado; se refere a não sofrer sob uma opressão de determinado tipo.

Algumas pessoas não gostam da palavra privilégio porque dá a ideia que coisas estão sendo dadas ou garantidas de graça, sendo que privilégio é a ausência da opressão e discriminação na vida diária.

Eu discordo: acho que o termo privilégio descreve essa questão do ponto de vista do(s) grupo(s) marginalizado(s) em certo eixo. Se alguém, por exemplo, me segue em alguma rede social, mas não me seguiria se eu fosse uma pessoa negra, isso é um privilégio: é algo que está sendo dado pra mim, ainda que eu não tenha como saber que eu "ganhei" essa pessoa me seguindo sendo que não "ganharia" de outra forma.

Enfim, privilégio se aplica a vários eixos de opressão: existe privilégio neurotípico, privilégio magro, privilégio cis, privilégio de homens, privilégio perissexo, etc.

Falando especificamente de questões raciais, há o privilégio branco.

Se privilégio branco é a ausência de opressão com base na raça, o que isso significa, exatamente?

Significa que pessoas brancas podem ficar menos tempo na prisão do que pessoas negras pelos mesmos crimes {1}, que pessoas brancas podem ganhar mais dinheiro do que pessoas pretas ou pardas com o mesmo nível de escolaridade {2}, que pessoas brancas têm menos chances de morrer com covid-19 {3, 4}, que pessoas brancas possuem representatividade muito maior em espaços de poder político {5}, e por assim vai.

Isso não são acasos aleatórios ou questões de alguma superioridade inata. São as consequências de séculos de colonização, exploração e segregação. Não adianta que as leis mudem para que escravidão, assassinatos e/ou segregação se tornem ilegais, quando pobreza, preconceitos da população branca e divisão de poder continuam da mesma forma.

Como um exemplo: A proibição das leis que impediam pessoas de votar com base em raça e etnia nos Estados Unidos só passou a existir a partir de 1965 (embora estados individuais tivessem leis diferentes em relação a isso antes) {6}. O primeiro secretário de estado negro, Robert C. Weaver, foi nomeado em 1966 {7}.

Como é que pessoas brancas, que com certeza haviam sido convencidas de que impedir pessoas de votar com base em raça era algo bom e que fazia sentido, conseguiriam repentinamente mudar de opinião e achar que qualquer justificativa usada pra isso era algo errado do passado? Como é que as chances de todes de serem eleites passaria a ser igual para todas as raças, quando várias pessoas brancas já tinham popularidade e reconhecimento em sua carreira política, enquanto várias pessoas racializadas recém conseguiram a possibilidade de ter pessoas em sua família e/ou em seus bairros votando nelas?

(Não é à toa que, em 2004 e 2005, houveram vários casos de discriminação contra pessoas de origens asiáticas e latinoamericanas relacionados às eleições, que podem ser resumidos pelo pressuposto de serem "estrangeiras demais". Algo que tem origem na naturalização restrita a imigrantes branques em 1790 e nas leis que proibiram vários grupos étnicos asiáticos de imigrarem para os EUA a partir de 1882. {8})

Opressão sistêmica também não é só em relação às leis e suas consequências, mesmo que estas sejam um aspecto importante. Padrões de beleza e estereótipos espalhados por propagandas e séries/novelas/desenhos/filmes/livros/etc. populares, desvalorização e/ou exotificação de culturas não-brancas, fetiches ou repulsas por certas raças e uma série de comportamentos, currículos, representações, heranças (tanto culturais quanto financeiras) e afins acabam privilegiando pessoas brancas.

Ou seja, não é apenas uma questão de parar de xingar ou bater em pessoas porque não são brancas que aí acaba o racismo. É toda uma cultura que ensina que pessoas brancas são as pessoas "normais" e que outras pessoas possuem características específicas associadas com raça e são menos dignas de serem tratadas como humanas. Isso vai além de casos conscientes de racismo.

Privilégio branco, então, tem a ver com tudo isso: com não precisar ter que encarar a realidade do sistema racista porque isso não nos afeta; com ver tentativas de reparar essa situação como injustas/"racismo reverso" porque deixam pessoas brancas de fora (ainda que não estejam sendo impedidas de fazer nada por conta de medidas como cotas ou oficinas exclusivas). Com não querer ter o trabalho de pesquisar sobre racismo, afinal não é um assunto divertido, conhecido ou que nos beneficia, e aí sair falando opiniões sobre raça que ignoram outras realidades.

Quem é branque e não quer ser racista tem que ir além de reconhecer que racismo existe e não falar coisas que não discriminem contra alguma raça. Não temos como abrir mão do privilégio branco, mas podemos rever aspectos de nossas vidas para atrapalhar menos as vidas de pessoas racializadas, e podemos falar com outras pessoas brancas para que façam a mesma coisa. Podemos ajudar em protestos, doações e outras ações.

Mesmo assim, não podemos nos ofender quando alguém diz que todas as pessoas brancas são racistas, ou quando alguém diz que nós somos individualmente racistas. Nós vamos nos beneficiar da supremacia branca (ainda que isso possa acontecer de forma passiva) até que ela acabe, e sempre há mais trabalho a fazer se queremos ser considerades aliades.

Fontes:

Este texto está disponível em Colorid.es aqui.