O que é raça? Não é só a cor da pele?
Aviso de conteúdo: Este texto contém exemplos de racismo leves e pesados.Assim, eu não sei sobre pessoas em contextos diferentes do meu (em relação a geografia, histórico familiar e raça), mas já percebi que muitas pessoas brancas ao meu redor possuem entendimentos bem rasos e/ou equivocados sobre raça.
O conceito de raça já foi refutado de um ponto de vista biológico. As variações genéticas que poderiam constituir em descrições de como é cada raça são mínimas, em relação a tantas outras. Além disso, para cada grupo racializado citado de forma mais abrangente (como pessoas negras ou asiáticas) existem diversas etnias que podem ser muito mais diferentes entre si do que de outros grupos geograficamente próximos que poderiam ser categorizados como outra raça.
Mas, e então, por que dizem que "somos todes da raça humana" é uma afirmação racista? É porque isso invalida que raça é uma realidade social, independentemente de ser ou não uma realidade biológica.
Quando alguém diz "pastel de flango" pra uma pessoa na rua, responder "somos todes da raça humana" não é uma solução. Responder que a pessoa é de um grupo que não teria um sotaque onde "frango" se tornaria "flango" também não. Focar na biologia ou nas origens exatas de uma pessoa ou etnia só ignora a realidade social de que pessoas que não são brancas sofrem racismo.
É se colocar como uma pessoa branca superior que não acredita em racismo, ao contrário das pessoas ignorantes e preconceituosas. Porém, racismo é algo bem mais intrínseco do que acreditar que pessoas de outras raças são biologicamente diferentes de forma que são praticamente espécies diferentes. É a violência institucionalizada contra comunidades onde a maioria não é branca. É a ausência de grandes ações reparativas para ajudar famílias e nações que tiveram suas vidas destruídas por colonialismo, genocídio e escravidão. É a normalização de padrões culturais e de beleza brancos. É não questionar quando termos ou estereótipos racistas são usados no dia-a-dia. É a contratação de pessoas racializadas apenas para cargos mal pagos. Empinar o nariz e se dar um tapa nas costas por não acreditar em raça não ajuda a combater nada disso ou de outras injustiças.
Outra percepção comum que vejo de raça é que é uma questão da cor da pele. Muitas vezes, cor é usada como eufemismo pra raça: "pessoas não merecem ser julgadas pelas cores de suas peles", uso das categorias do IBGE pra descrever raças (como em "você não é negre, você é parde") e afins.
Cor é uma questão importante, e pode fazer diferença em relação a como alguém vai ser viste em relação à sua raça. Porém, raça não é só cor da pele, e é julgada também por uma série de outras características físicas ou mesmo culturais. Formato da cabeça, dos olhos e do nariz, textura e cor do cabelo, tamanho dos lábios, e outras características influenciam ou podem influenciar a percepção de que raça(s) alguém é.
Pessoas de quaisquer raças podem ter pele clara. Não é uma exclusividade de pessoas brancas. Existe a questão do colorismo: pode haver uma abertura de oportunidades maior para pessoas de pele mais clara ou traços mais associados a ser branque, mas mesmo colorismo não se limita à questão da cor da pele.
Enfim, a questão principal aqui é que ter pele de um certo tom ou de uma certa cor não é suficiente para isentar alguém de sofrer por conta da supremacia branca.
Mas se raça não se refere a um conceito biológico ou a uma cor de pele, é o quê? Uma leitura social.
Na época que países europeus começaram a mandar expedições para colonizar outros continentes e subjugar as pessoas que já estavam morando neles, o conceito de raça foi criado e utilizado para justificar opressão e violência. Cientistas branques começaram a dizer que humanes estavam dividides entre certas raças e que a raça branca era superior, e que então tava tudo bem ver outras sociedades como inferiores, escravizar pessoas e/ou cometer genocídio.
Ainda que em vários ambientes hoje em dia não se ensine que raça faz diferença na personalidade ou nas habilidades de alguém como ciência, existe uma herança cultural em ver pessoas como passivas, violentas, ignorantes ou afins por conta de características físicas ligadas às raças.
As circunstâncias que fazem com que a sociedade branca em geral não reconheça povos/etnias diferentes, e sim apenas pessoas indígenas, negras ou asiáticas, também faz com que essas pessoas tenham experiências em comum, especialmente quando vivem em territórios colonizados por pessoas brancas. Essas experiências de racismo também contribuem para que pessoas vejam esses termos como partes de suas identidades.
O mesmo processo acontece com a raça branca: é pouca a diferença entre experiências de pessoas de origens espanholas, italianas e portuguesas no Brasil atual. Isso porque a branquitude foi colocada como uma união necessária para perpetuar racismo contra quem não é branque.
Resumindo:
Existem raças humanas diferentes, do ponto de vista biológico? Não.
Então como é que isso importa? É um conceito que existe no imaginário social faz séculos, e que possui consequências reais até os dias de hoje.
Dá pra descrever raça como cor ou tom de pele? Não, afinal existem outras características relevantes que levam alguém a ser de uma ou de outra raça.
Aviso! Vários links falam em detalhes sobre colonialismo, escravidão e racismo científico, além de outros casos de racismo.
Fontes:
- Preconceito é um fenômeno social e não biológico, dizem cientistas
- As não Brancas- Identidade Racial e Colorismo no Brasil
- A construção histórica da ideia de raça
- A construção social da "raça" negra
- The myth of race and the reality of racism
- The Myth of “Race” and the Reality of Racism (Final Part)
- Scientific and Social Definitions of Race
- Raça, cor, cor da pele e etnia
- Our Skin Problem: America’s Toxic Bias of Color
- Galileo wept: A critical assessment of the use of race of forensic anthropolopy
Fontes específicas sobre a criação do conceito das raças humanas:
- The history of the idea of race
- RACE - The Power of an Illusion
- François Bernier, "A New Division of the Earth" From Journal des Scavans, April 24, 1684. Translated by T Bendyshe in Memoirs Read Before the Anthropological Society of London, vol. 1, 1863-64, pp. 360-64. (AC: isto é um documento histórico que é extremamente racista e misógino. Menciona escravidão.)
- O último link da seção anterior também entra um pouco nisso.
Fontes sobre o que é e dando exemplos de colorismo:
- Colorism in Indigenous Australia (AC: menciona estupro)
- Zoë Saldaña se diz arrependida por ter vivido Nina Simone no cinema
- Colorism within Asian Communities
- Black love is steeped in colorism.
- Colorism is:
- Colorism in the S. Asian Community
Este texto está disponível em Colorid.es aqui.