Ao menos em boa parte dos círculos brasileiros, "queer" é uma palavra vista como misteriosa, ou como acadêmica demais, ou como representativa apenas de pessoas que não gostam de rótulos.
Em seu contexto original, a palavra queer - que é um adjetivo para coisas "tortas" ou "estranhas" - era uma autoidentificação e um xingamento para pessoas que saíam das normas de gênero e atração.
Note que estou falando em termos bem abrangentes. Isso porque, para quem vê de fora, muitas vezes não importa se a pessoa era drag queen, pessoa transfeminina não-binária, mulher trans ou mulher ipsogênero, se a pessoa não procura relacionamentos por ser lésbica, arromântica ou uma pessoa trans com disforia demais pra pensar em relacionamentos, se a pessoa se veste de forma "estranha" por ser não-binária, fetichista ou não seguir papéis de gênero.
E aí eventualmente veio a questão da teoria queer, que pode ser interpretada de várias formas, mas que é muito mais uma tentativa de explicar pessoas queer ou de teorizar um futuro para pessoas queer do que de definir pessoas queer.
A questão não é que não importa a identidade da pessoa, ou se queer é uma fuga de rótulos. A comunidade queer é mais uma aceitação da diversidade, especialmente uma aceitação radical que está mais a fim de acabar com a ideia de que pessoas precisam se adequar aos moldes sociais existentes, e perpetuar a ideia de que é normal ter orientações e gêneros diverses e complexes.
O rótulo queer é inclusivo de pessoas que dizem que "sei lá, só sei que não sou hétero". O rótulo queer é inclusivo de pessoas que usam 20 rótulos de gênero diferentes. O rótulo queer é inclusivo de pessoas que são homens ou mulheres "fora do padrão" por conta de seus corpos e/ou vestimentas. O rótulo queer é inclusivo de pessoas cujas orientações fogem de qualquer normatividade, e isso inclui pessoas que não sentem atração, ou que sentem atração mas apenas com condições consideradas "estranhas" pela maior parte da sociedade. Ainda que isso seja controverso, o rótulo queer também inclui pessoas cujos relacionamentos consentidos não atendem às narrativas e expectativas tradicionais de relacionamentos ditadas pela sociedade.
Agora... significa que só porque você você atende alguma condição para ser queer, você é ou precisa se identificar como tal?
Pessoalmente, acredito mais na ideia de que a pessoa tem que se sentir queer e confortável em ser queer para participar de comunidades queer do que ter que preencher alguma lista pra ver se é queer o suficiente.
Por exemplo, existem homens gays cis, perissexo e monogâmicos que tentam se adequar às normas sociais o quanto possível. Tentam "não dar pinta", falam que é ridículo considerar orientação uma parte grande da vida, detestam "promiscuidade"... eu não me sentiria confortável com esse tipo de pessoa em um espaco queer. Não que essa pessoa não possa se dizer queer ou ir a eventos queer, mas não diria que a pessoa tem o espírito da coisa.
Agora, um homem cis, gay, perissexo e monogâmico, mas que convive em grupos cheios de pessoas LGBTQIAPN+, é envolvido em ativismo, é um bom aliado a pessoas de identidades que não são a dele, e se sente deslocado em espaços hétero, é muito mais bem-vindo em espaços queer.